Ex-Cônsul da França na Bahia ainda aguarda posicionamento  da justiça civil sobre caso de injúria racial

Foi no dia 20 de janeiro de 2025 que Mamadou Gaye, junto com seu advogado, protocolou um embargo de declaração pedindo esclarecimento sobre a decisão em segunda instância da justiça civil da Bahia. O pedido de esclarecimento introduzido por Mamadou Gaye,  injuriado de “tirano africano” que deveria “voltar ao seu buraco parisiense” enquanto exercia a função de cônsul honorário da França na Bahia, acaba de completar 150 dias sem resposta.

Conforme elementos que constam nos autos, Mamadou exercia a função de Cônsul Honorário da França na Bahia quando foi procurado pelo francês Fabien Liquori para procedimentos relacionados às sua documentação e pedindo auxílio em relação a projetos desenvolvidos por ele, exigindo abusivamente providências que extrapolavam sua função de Cônsul. As críticas a Mamadou por e-mail foram enviadas em cópia para diversas pessoas, pedindo sua demissão ao Consulado Geral da França alegando incompetência sem propósito para tal avaliação.

Recentemente, o Ministério Público apresentou uma denúncia formal do caso de racismo sofrido por Mamadou Gaye qualificando as ofensas proferidas por Fabien Liquori como crimes contra a honra, injúria e injúria preconceituosa em razão da origem, requerendo o pagamento de uma reparação por danos morais no valor mínimo de R$ 20 mil.


A expectativa é que a Justiça Cível da Bahia, inicialmente acionada, se pronuncie sobre o embargo de declaração interposto por Mamadou Gaye, no qual solicita retratação pública e a majoração do valor da indenização, fixado em apenas R$ 3 mil,  tanto na primeira quanto na segunda instância. Já se passaram 150 dias e a Justiça Civil não se manifestou sobre o caso.

Entenda o caso:

O assédio começou em maio de 2023 através de um e-mail destinado a Mamadou Gaye com cópia a entidades. Nas mensagens seguintes, o francês Fabien Liquori aumentava o tom de descontentamento e julgava a “completa incompetência” de Mamadou como cônsul honorário a quem intitulou de “tirano africano” desejando que voltasse para “seu buraquinho em Paris”.

Em novembro de 2023, Mamadou entrou na Justiça contra o autor dos e-mails e requereu o pagamento no valor de R$ 40 mil por danos morais, retratação pública para impedir novas ofensas. Em janeiro de 2024, o réu foi condenado em primeira instância. No entanto, o Tribunal de Justiça da Bahia determinou que o francês, que não apresentou defesa, pagasse apenas R$ 3 mil, sem qualquer determinação em relação ao pedido de retratação. “O valor estipulado não condiz com a gravidade da situação e demonstra como ataques de injúria racial não são adequadamente julgados pela justiça. Não se trata apenas de mim. É mais um marco de um racismo estrutural que afeta a sociedade como um todo”, defende Gaye. 

De origem senegalesa e naturalizado francês, Mamadou Gaye foi diretor da Aliança Francesa na Bahia por quatro anos e Cônsul Honorário da França na Bahia, cargo ocupado até maio de 2024.  Segue morando na Bahia, onde é doutorando no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura) na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Justiça ainda minimiza racismo

A maioria dos pedidos de indenização por práticas de racismo e injúria racial na esfera civil é procedente no Brasil, ou seja, apresenta ganho de causa para a vítima. Essa é a principal conclusão de pesquisa conduzida pelo Núcleo de Justiça Racial e Direito da Faculdade Getúlio Vargas (FGV) no fim de 2023. A pesquisa Segurança da população negra brasileira: como o sistema de justiça responde a episódios individuais e institucionais da violência racial analisou 618 pedidos de indenização por danos morais de pessoas negras que relatavam terem sido vítimas de racismo, discriminação, injúria racial ou violência policial. Do total, a vítima ganhou a ação em 62% dos episódios. Embora o percentual seja alto, o estudo mostra que os juízes ainda compreendem os crimes de racismo como danos à honra, portanto, de caráter individual, sem dano coletivo. Isso indica, na visão dos pesquisadores, que os juízes consideram esses crimes como “menos graves”. Em primeira instância, 51% das indenizações chegam a R$ 5 mil. Já na segunda instância, os valores chegam até R$ 10 mil em 70% dos casos.

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) condenou a influenciadora Dayane Alcântara Couto de Andrade a pagar cerca de R$ 500 mil ao casal Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso por danos morais devido a ofensas racistas contra Titi, filho do casal em 2024. A justiça determinou que a quantia seja paga em até três dias. “Racismo é crime e precisa ser tratado com a devida gravidade pela Justiça até por uma questão educativa”, conclui Gaye.

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